Por décadas, uma falha estrutural sutil, mas devastadora, permeou o esporte feminino: atletas eram treinadas, avaliadas e reabilitadas com base em modelos de pesquisa e protocolos desenvolvidos para o corpo masculino. O resultado? Negligência científica que impactou a saúde, a segurança e o desempenho de gerações.
Mas, se depender de Michele Kang, essa era de adaptação e submissão ao modelo masculino chegou ao fim.
O Momento da Virada: Uma Frase e um Compromisso
Em abril, tive o privilégio de estar na Califórnia, testemunhando o anúncio de um investimento histórico que promete reescrever os protocolos do futebol feminino. De frente para Michele Kang, ouvi a frase que encapsula toda essa revolução:
“A mulher não é um homem pequeno.”
Com essa declaração simples e cirúrgica, Kang não apenas expôs décadas de negligência metodológica e científica, mas também sinalizou o início de uma transformação histórica. Ela materializou o compromisso com US$ 55 milhões destinados à U.S. Soccer para um propósito singular.

O Kang Women’s Institute: Ciência no Centro do Jogo
O Kang Women’s Institute nasce como o primeiro centro de pesquisa desse porte dentro da U.S. Soccer, com um foco inédito: produzir ciência, inovação e protocolos exclusivamente voltados para atletas mulheres.
Se antes a lógica era “adaptar o futebol masculino para as mulheres”, o Instituto inverte essa equação. Agora, o centro do desenvolvimento será a experiência e a fisiologia feminina, abordando temas cruciais como:
Como o corpo feminino responde a cargas de treino específicas?
Quais são os protocolos mais eficazes para a prevenção e recuperação de lesões (especialmente aquelas com maior incidência em mulheres, como a ruptura do LCA)?
Estruturação de retornos seguros e baseados em ciência após a gravidez.
O impacto real do ciclo menstrual no desempenho e na prevenção de lesões.
Metodologias pedagógicas e de saúde mental mais adequadas para a formação de meninas na base.

Foto: Arquivo pessoal
A Força Transformadora de Michele Kang
Não é coincidência que esse movimento parta de Michele Kang. A bilionária se consolidou como uma das figuras mais influentes e visionárias do esporte, com um portfólio estratégico que inclui o Washington Spirit (NWSL – EUA), London City Lionesses (Inglaterra) e o OL Lyonnais Féminin (Potência mundial na França).
Em 2024, ela fundou a Kynisca Sports justamente para impulsionar governança, pesquisa e desenvolvimento global no ecossistema feminino. O Instituto é a ampliação dessa agenda, enviando uma mensagem inequívoca ao mundo: o futebol feminino merece estruturas próprias, robustas e fundamentadas em ciência.
Além das Fronteiras dos EUA: O Futuro é Global
Embora sediado nos Estados Unidos, o impacto desse investimento é global. As pesquisas sobre a prevenção de lesões (como o risco seis vezes maior de ruptura de LCA em mulheres), o manejo do ciclo menstrual e os retornos pós-parto têm o potencial de reescrever protocolos globais, das grandes seleções às categorias de base ao redor do mundo.
O futebol feminino não precisa mais de migalhas ou adaptações. Ele precisa de fundamento, estrutura e pesquisa.
Quando Michele Kang proferiu a frase que abre este artigo, ela não apenas apontou o problema da desigualdade científica, ela propôs a solução.
Com US$ 55 milhões, o Kang Women’s Institute promete transformar não apenas a forma como as atletas de elite treinam, mas como o futebol feminino é compreendido em seu nível mais profundo: o científico.
É o início de uma nova era. Uma era em que a mulher atleta é, finalmente, tratada a partir de sua própria e complexa realidade fisiológica, e não mais à sombra do modelo masculino.
Fotos: Donas FC / Arquivo pessoal





