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Futebol Feminino: O Abismo entre o Sucesso Atual e a Urgência da Base

Cabulosinhas, base feminina do Cruzeiro

Quem acompanha o futebol feminino de perto sabe: estamos vivendo o período de maior avanço da história da modalidade no Brasil. Os campeonatos estão mais competitivos, as torcidas têm respondido com paixão, os índices de audiência seguem em alta e, pela primeira vez, o futebol feminino ganha  espaço de horário nobre na TV aberta. E isso sem falar da Copa do Mundo Feminina de 2027, que sediaremos em dois anos, um evento que promete impactos profundos no país, da economia ao engajamento social.

Mas, se o presente inspira, o futuro preocupa. Quando olhamos para dentro dos clubes e observamos a estrutura real oferecida às meninas, percebemos que há um abismo entre o discurso de evolução e a prática.

O Paradoxo da Visibilidade

Criamos referências, mas não criamos caminhos. A cobertura cresce, a visibilidade aumenta, e histórias inspiradoras surgem a todo momento. Nós mesmos, no Donas FC, amplificamos competições, clubes e atletas. Mas, diante desse cenário, surge a pergunta inevitável: estamos criando referências para as meninas, mas estamos criando lugar para elas jogarem?

A resposta é dura: a base não acompanha esse crescimento.

Hoje, no Brasil, é possível contar nos dedos os clubes que possuem categorias de base minimamente estruturadas: Corinthians, Ferroviária, São Paulo. E, infelizmente, pouco mais. A Ferroviária se destaca por oferecer a categoria Sub-12, entendendo algo básico que já é regra no futebol masculino: quanto mais cedo começa a formação, melhores serão o desenvolvimento motor, a compreensão tática e o repertório técnico da atleta.

A Falta de Projeto, Não de Recurso

O problema central não é a falta de recursos, mas sim a falta de um projeto contínuo e sério.

Recentemente, os campeonatos estaduais impulsionados pelo CBF Transforma reacenderam uma esperança. Contudo, na prática, o que muitos clubes têm feito é justamente o oposto do que o programa propõe. Em vez de desenvolver times próprios e investir em formação contínua, vemos o retorno de parcerias de ocasião, empréstimo de camisa e contratos curtos firmados apenas para disputar um único campeonato. Acaba o torneio, acaba o contrato, acaba o time. E, no ano seguinte, todo o ciclo recomeça, sem deixar legado.

O caso das Cabulosinhas do Cruzeiro é apenas a ponta do iceberg. O Cruzeiro formou o time Sub-17, que foi campeão mineiro, mas o contrato era de apenas três meses. Terminado o campeonato, o projeto foi encerrado. O clube promete reformular para 2026, e esperamos que isso se concretize, mas essa expectativa precisa valer para todos os grandes clubes.

O mais contraditório é que os clubes já colhem frutos mesmo sem uma base sólida. O Cruzeiro, por exemplo, já realizou transferências importantes, como a de Iza Haas, a maior da história do futebol feminino brasileiro, Isabela e a jovem promessa Rebeca. Isso prova que há talento, mercado e potencial de retorno. O que realmente falta é um projeto de longo prazo.

O Único Caminho Possível

A verdade é simples e inegável: sem base, não há futuro.

Tudo o que ainda falta no futebol feminino brasileiro, desde a compreensão tática até o aprimoramento do repertório técnico, se constrói fundamentalmente na formação. Se realmente queremos um futuro forte e sustentável para o futebol feminino do Brasil, precisamos começar pelo começo, investindo de verdade no alicerce.

O Brasil não pode continuar criando craques sem, antes, criar caminhos sólidos para elas.

Foto: Reprodução / Cruzeiro / Redes Sociais

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