
Por: Daniela Santos
Nesta quinta-feira, 9, o Salão Nobre do Estádio do MorumBIS, em São Paulo, foi palco do Sport Integrity & Innovation Summit, e durante o painel ‘Futebol Feminino’, Suleima Sena, CEO do Donas FC, moderou um bate-papo com Camila Estefano (Fundadora do projeto Em Busca de uma Estrela), Adriana Costa Tiga (Coordenadora de base do São Paulo FC) e Maila Machado (Gestora de carreiras de atletas de futebol feminino) sobre como a modalidade deve ser encarada como um mercado em crescimento e com potencial de investimento real.
“Não tem como você falar de integridade, de inovação e não falar de futebol feminino. A gente está acostumada a falar de futebol feminino apenas como uma causa social ou um movimento de igualdade no esporte. Só que a realidade mudou. Hoje o futebol Feminino é o novo mercado”, ressaltou Suleima, que trouxe dados para comprovar.
Segundo o relatório Womens Elite Sports (Deloitte), a receita global do futebol feminino deve alcançar US$ 820 milhões em 2025. Em 2024, o futebol feminino bateu recorde em transferências internacionais, com US$ 15,6 milhões movimentados, segundo a FIFA. Isso representa um crescimento de mais de 80% em relação ao ano anterior. “Um número que mostra que o talento feminino tem preço, tem valor e tem mercado”, pontuou a jornalista.
Suleima também citou casos recentes que mostram retorno financeiro, como o da jogadora Amanda Gutierrez, que o Palmeiras vendeu ao Boston Legacy, dos Estados Unidos, sendo a maior transferência da história do futebol feminino brasileiro. Além de Yaya e Isabela, contratadas pelo PSG. “Quando você investe, tem retorno. Não tem como ter retorno se você não investe”, afirmou.
Projetos Sociais e o futebol feminino
Camila Estefano falou sobre a importância de projetos sociais para desenvolver talentos no futebol feminino e empoderar as meninas. “Os projetos sociais, eu diria que eles são o primeiro degrau na escada do futebol feminino. Eu acho que é onde tudo começa, onde você entrega acesso, onde as meninas se sentem à vontade para poder começar a jogar futebol. A gente dá oportunidade e oportunidade para essas meninas começar desde cedo a prática da modalidade.”
Ela ressaltou a importância do investimento na formação de base para o crescimento sustentável do futebol feminino. “Quando a gente olha para mercados vencedores como Inglaterra e Estados Unidos, eles trazem modelos que o trabalho começa na base”, disse ela, relembrando que o fortalecimento da modalidade começou como uma política pública nos anos 1970, com a obrigatoriedade nas escolas de igualdade de gênero nos esportes. Esse movimento transformou o futebol no principal esporte praticado por mulheres no país, resultando em milhões de atletas, reconhecimento global e conquistas olímpicas e mundiais. “Quando você faz um trabalho bem feito, você atrai investimento e público”, reforçou.
Formando profissionais
Adriana, mais conhecida como Tiga, reforçou a importância da formação integral das atletas, alinhando o desenvolvimento esportivo à preparação para a vida além dos gramados. “Aqui no São Paulo nós também temos essa ideia de uma formação integral. Ela permite fazer esse balanço entre o ativo de mercado e a formação de uma cidadã para o mundo, para a sociedade. (…) Nem toda atleta da base vai se transformar em uma jogadora de rendimento. Pode ser que, em determinado momento, ela escolha outra profissão. Por isso, damos ferramentas para que, qualquer que seja a escolha, ela consiga se adaptar e seja uma mulher empoderada”, explicou.
Tiga também refletiu sobre sua própria trajetória como ex-jogadora, destacando como o futebol feminino evoluiu nos últimos anos: “Quando eu comecei a jogar, era por amor. A gente nem tinha essa visão de ser jogadora profissional para ganhar dinheiro. Hoje, o futebol feminino está crescendo, e não vai parar mais. Está devagar? Sim, mas já foi muito mais lento. Cada degrau que a gente sobe é uma vitória que precisa ser comemorada.”
Maila Machado compartilhou uma perspectiva sensível e poderosa sobre os desafios enfrentados por atletas do futebol feminino, a partir da sua própria trajetória no esporte. “Quando eu olho para trás, vejo os ensinamentos que o atletismo e o esporte me proporcionaram. Hoje, como intermediária, consigo reconhecer as dores que essas meninas vivem, a pressão, as quedas, as lesões. É saber fazer essa resiliência.”
Ela ainda trouxe uma fala inspiradora e honesta sobre a importância da educação como ferramenta de poder e de transição de carreira no esporte. Atleta olímpica e hoje atuando como gestora e intermediária no futebol feminino, Maila compartilhou sua trajetória pessoal para alertar sobre os limites da carreira esportiva e a necessidade de preparo para o “depois”.
“Para mim, poder é educação. E realmente o planejamento é a direção. O esporte é lindo, mas ele limita. Vai chegar uma hora em que vai acabar. Então a gente precisa estudar. O esporte não é para sempre. (…) Eu fiz a transição com outras psicólogas me ajudando, fiz vários cursos, mas mesmo assim foi difícil. Porque eu pensava: ‘Eu não sei fazer nada, só sei ser atleta’. Mas a verdade é que a gente sabe, sim. A gente tem formação, tem vivência. Faltava era consciência e planejamento”, completou.
Apoio dos clubes e federações
Durante o painel, Camila Estefano fez um apelo direto por mudanças estruturais que sustentem o crescimento do futebol feminino no Brasil. Para ela, as regras impostas em 2018 e 2019 pela confederação precisam ser revistas.
“A gente precisa que a nossa confederação aqui comece a mudar, aprimorar as regras que já foram impostas lá em 2018 e 2019, porque, na minha visão, ela tá um pouco capenga. Você obriga os clubes a ter um time profissional, um time de base só da Série A. O clube cai para a Série B, acaba com o futebol feminino. Então, não é sustentável”, observou.
Além das federações, Camila defendeu o papel das políticas públicas e iniciativas legislativas para incentivar a prática esportiva feminina. “Não existe a Lei de Incentivo ao Esporte para mulheres. Se existisse, com certeza o esporte feminino estaria em outro patamar. Não só o futebol, como todos os outros esportes.”
Tiga também expôs os desafios para tornar os projetos de base autossustentáveis dentro dos clubes, especialmente em um cenário em que o futebol feminino está em plena expansão, mas ainda enfrenta limitações estruturais. “O maior desafio é que a grande maioria dos clubes estão endividados, né? Então, eles precisam fazer cortes, e bem no momento que o futebol feminino tá crescendo e necessita de investimento.”
Segundo a ex-atleta, essa pressão financeira imediata leva, muitas vezes, à redução de recursos justamente nas categorias de base do futebol feminino, comprometendo o desenvolvimento a longo prazo. “Graças a Deus, aqui no São Paulo tem outra visão. O clube fomenta o futebol feminino, fomenta a base. Hoje nós iniciamos com atletas de 13 anos”, acrescentou ela, identificando ainda a necessidade de iniciar o processo de formação ainda mais cedo.
Foto: Theo Daolio