
Por: Daniela Santos
Nesta segunda-feira (29), a Neo Química Arena foi palco do ‘Masterclass – Programa de Lideranças Negras no Futebol’, uma iniciativa do Mover Futebol com o intuito de debater a equidade racial no esporte. Durante o evento, foi abordado os desafios enfrentados por profissionais negros em ambientes corporativos e a importância das transformações nas instituições esportivas.
O ex-jogador de futebol Mauro Silva, campeão mundial com a Seleção Brasileira e vice-presidente da Federação Paulista de Futebol (FPF), marcou presença no evento e compartilhou sua trajetória pessoal e profissional, ressaltando que, embora o futebol tenha aberto as portas para ele, foi a educação que garantiu sua permanência e crescimento na carreira fora dos campos.
“Eu sempre falo, se tem uma cadeira vazia, alguém vai sentar, melhor que seja alguém do bem, porque assim, na questão esportiva e na questão política, se a gente não participa, alguém vai participar e vai tomar decisões por nós (…)”, disse o ex-atleta.
Gleice Silvestre, gestora esportiva, falou sobre a importância de capacitar e dar visibilidade às lideranças negras no futebol. “Eu vejo esse curso do Mover como uma ferramenta de política pública, porque a gente tem uma sub-representatividade de pessoas pretas em cargos de gestão, cargos de liderança… isso aqui vem para quebrar esse problema que existe, essa necessidade de ampliação de formações como essas para que a gente consiga mudar e tornar o futebol um ambiente mais inclusivo”, afirmou ela, celebrando as 25 pessoas negras que se capacitaram na primeira turma do curso do Mover Futebol para ocupar cargos de lideranças no meio esportivo.
Liderar sendo negro no mundo corporativo
O primeiro painel do evento abordou os desafios enfrentados por profissionais negros, especialmente em cargos de liderança, e como essas experiências dialogam com o universo do futebol. O debate girou em torno de temas como racismo estrutural, representatividade, legado, planejamento de carreira e transformação cultural.
Douglas Vidal, CEO da Future In Black e conselheiro do Mover Futebol, destacou que muitas pessoas negras ainda são as primeiras de suas famílias a ocuparem espaços de poder, e que isso impõe uma responsabilidade histórica e emocional. “Somos as últimas gerações das primeiras. Muito provavelmente alguns aqui foram os primeiros a se formar no ensino médio, no ensino superior ou no ensino técnico, ou primeiro a trabalhar de CLT, a trabalhar no corporativo, num time profissional, e carregar esse peso de ser o primeiro, coloca a gente num outro lugar”, refletiu.
Michele Sales, executiva e consultora de estratégia e impacto, reforçou três pilares: influência, legado, influência e autopertencimento. “Se nós, enquanto pessoa negra, não se olhar, não se reconhecer dentro desse espaço de poder, dentro das possibilidades de poder e dentro de como eu atuo nas relações de poder, você não vai conseguir fazer nada”, disse ela, pontuando que a liderança precisa sempre deixar um legado para as próximas gerações.
Douglas também falou sobre a importância de ter um ‘norte claro’. “Tão importante quanto ter a clareza, é você construir uma rede de relacionamento que te direcione para onde você quer chegar. E muitas vezes não falamos sobre isso, mas a gente fala sobre o QI (quem indica). E o QI é justamente isso. É você estrategicamente construir redes de relacionamento que vão te levar para o próximo passo, que vão te levar para o mais próximo de onde você quer chegar”, afirmou.
Os dois também pontuaram sobre a importância de dar o primeiro passo. Mais do que esperar ser chamado, é preciso bater na porta certa com a solução certa, e fazer isso com confiança, consistência e coragem. “Saibam o que vocês se orgulham. Talvez você tenha aquele ‘pitch de elevador’, aquela oportunidade que não vai voltar, então estejam preparados para isso”, completou Michele.
Lideranças negras dentro do futebol
O segundo painel contou com a participação de Maíla Machado, atleta olímpica, psicóloga esportiva e fundadora da MMSportsWomen, Édson Santos, fundador da Avança Sports e especialista em gestão no futebol, Jaqueline Oliveira, coordenadora de compliance no São Paulo FC, e Fábio Simplicio, ex-jogador. O debate tratou do futebol como ferramenta de transformação social.
Maila Machado, atleta olímpica do atletismo Atenas 2004, Pequim 2008 e Rio 2016, compartilhou sua transição de carreira. Ela fez graduação em Educação Física, pós-graduação em Treinamento Esportivo e se especializou em Psicologia Esportiva. Depois também decidiu aprender sobre futebol feminino. “Eu precisava me capacitar, entender”, explicou.
Édson Santos contou que começou sua trajetória como jogador na base até migrar para a gestão esportiva. Ele reforçou que o futebol do passado não tinha estrutura como hoje, e destacou o valor da formação acadêmica. Édson estudou gestão esportiva e participou de programas de capacitação. Para ele, a educação é uma parte essencial do investimento social.
Jaqueline destacou a importância de representatividade. Para ela, o objetivo é que a diversidade se torne natural, e não uma exceção. “Vai chegar um momento que vai ser natural fazer parte de grandes eventos, não porque precisa ter uma mulher negra, um homem negro, uma mulher num painel composto majoritariamente por homens e por assim vai. É uma construção que a gente está fazendo e precisamos ser persistentes.”
Fábio relatou que, ao encerrar a carreira como jogador, percebeu que precisava se capacitar para alcançar novos objetivos. Além disso, ele destacou a importância do curso de lideranças do Mover Futebol. “Hoje eu me vejo muito mais preparado.”
Para Adalberto Almeida, presidente do Mover Futebol, os resultados da formação mostram que o projeto está no rumo certo:
“A alta adesão e o engajamento ativo dos participantes foram prova de que estamos no caminho certo. Cada troca, pergunta e contribuição confirmou a potência coletiva que estamos construindo. Seguimos movendo o futebol para um futuro mais representativo, estratégico e justo.”
Compromisso reais com a equidade racial no futebol brasileiro
O último painel discutiu sobre compromissos reais com a equidade racial no futebol brasileiro. Para que o esporte avance, é necessário que clubes, federações e dirigentes assumam responsabilidade institucional. Além disso, é preciso haver um esforço de escuta contínua.
“Clubes, federações, empresas, não importa qual o papel que esse CNPJ ocupa na sociedade. O fato é que ele precisa ter um compromisso real e genuíno. Tem que estar escrito em algum lugar, tem que estar no código de ética, tem que estar dentro dos valores da companhia, ou tem que estar dentro do manifesto de cultura, mas tem que ser real, tem que ser de verdade”, pontuou Cátia Veloso.
Além disso, ela ressaltou sobre a importância de haver uma escuta ativa. “Isso é construção coletiva, ouça o seu público, tem que ter roda de conversa. As pessoas têm queixas o tempo inteiro para falar. Não somos perfeitos e estamos em constante evolução. Tem que ouvir as pessoas”, completou.
Foto: Theo Daolio