A sérvia Jelena Todorovic, primeira mulher a comandar um time masculino de basquete no Brasil, compartilhou sua trajetória e visão sobre o esporte em uma entrevista à Suleima Sena, do Donas FC. Atualmente à frente do Fortaleza Basquete Cearense, ela falou sobre suas origens, a filosofia de trabalho que carrega e o significado de romper barreiras em um ambiente historicamente masculino.
Nascida em um país onde o basquete é parte da identidade nacional, Jelena conta que sua relação com o esporte começou muito cedo. “No meu país, o basquete é como uma religião, é o esporte número um e, na história, fizemos grandes resultados. Ao meu redor, eu cresci sendo inspirada”, afirmou.
Ela relembra que, mesmo sendo a única menina entre irmãos, já demonstrava desde a infância o espírito de liderança que mais tarde a levaria às quadras. “Era natural para mim dar comandos para eles. Eu os treinei enquanto jogava. Eles jogavam também e eu costumava treiná-los. O treinamento veio muito naturalmente para mim desde muito, muito jovem. Eu sabia que ia treinar”, contou.
O desejo de se tornar técnica ganhou força em um momento marcante: a Copa do Mundo de 2002, quando a então Iugoslávia venceu os Estados Unidos e se tornou campeã mundial. “Naquela época, a Iugoslávia ganhou o campeonato, vencemos o time dos EUA e nos tornamos campeões mundiais. Então, eu sempre fui inspirada, tive vencedores ao nosso redor, mesmo em tempos muito ruins no meu país. Para mim, sempre foi algo que eu quis desde jovem, ser treinadora de basquete, e graças a Deus, hoje estou vivendo o meu sonho todos os dias”, contou.
A filosofia de trabalho
Todorovic, que traz consigo a tradição da escola de basquete iugoslava, acredita que o sucesso vem da soma entre disciplina, trabalho em equipe e respeito aos detalhes. “Minha filosofia número um é que a equipe que vence não é a melhor equipe no papel ou o time mais bem pago. O time que vence é o time que joga melhor junto”, explicou.
Ela destacou que muito da sua metodologia vem da mentalidade sérvia, voltada para o trabalho duro e o foco coletivo. “Grande parte da minha filosofia vem da ex-escola de basquete iugoslava/sérvia, que se concentra nos detalhes, na disciplina, no trabalho duro e no trabalho em equipe. Estes são os fatores que realmente vêm da minha filosofia e é isso que estou tentando instalar nos meus jogadores.”
Jelena falou sobre o orgulho de treinar o Fortaleza. “Nosso time é muito diverso. Temos jogadores nossos da Sérvia, um jogador da Austrália, temos dois americanos e os brasileiros. E nos unimos porque a melhor coisa que o esporte pode fazer no mundo é unir as pessoas. Esta é a mensagem que enviamos do nosso clube: que o esporte une.”
A treinadora também refletiu sobre os aprendizados após trabalhar com grandes atletas. “Eu realmente tive o privilégio de trabalhar com jogadores incríveis minha vida inteira, e também treinei algumas crianças que eram incríveis. A mentalidade que meio que une a todos é simplesmente o trabalho duro. Eles estão dispostos a fazer algo que os outros não estão. Eles querem ser diferentes de todos os outros. É apenas o trabalho duro, ser disciplinado e focar nos detalhes, esta é a mentalidade vencedora. E nem todo mundo tem o que é preciso para estar no topo. Apenas alguns o fazem, e é preciso muito sacrifício. “
“(…) É por isso que eu acho que estar nos esportes é de certa forma a coisa mais difícil do mundo. Qualquer outra profissão, ser músico, ator ou algo que você tem uma vida inteira para fazer isso, e nos esportes, você só tem uma janela curta para ter sucesso ou falhar, e você realmente tem que dar o seu melhor. Então, para mim, esse trabalho árduo e disciplina é o que fez desses grandes jogadores o que eles são no mundo”, afirmou.
Superar barreiras e inspirar outras mulheres
Com uma carreira marcada por conquistas e pela quebra de paradigmas, Jelena Todorovic reconhece a importância simbólica de ser a primeira técnica estrangeira a comandar uma equipe masculina no país. “É uma grande honra e um privilégio, e sou tão grata. O Brasil foi o primeiro país a me dar esta oportunidade, e a NBB é uma liga muito respeitada. Estou muito honrada, mas, ao mesmo tempo, não quero ser lembrada apenas como a primeira”, afirmou.
Mais do que ocupar um posto inédito, ela deseja abrir caminho para outras mulheres. “Quero ter certeza de que vim aqui e deixei uma marca, e fiz algo valioso, e talvez trouxe uma cultura diferente. Representar as mulheres também é muito importante, porque crescendo eu não tinha muitas pessoas que se pareciam comigo para me inspirar. Então, se agora talvez alguns jovens treinadores, especialmente mulheres, puderem olhar para mim e dizer: ‘ei, é possível’, então eu já fiz o meu trabalho”, disse.
Quando questionada sobre as dificuldades de ser uma mulher à frente de um time masculino, a treinadora foi direta. “Estar no comando de um time profissional no esporte é difícil para qualquer pessoa, seja homem ou mulher. Eu tento não pensar em rotular, dizer que sou uma técnica mulher. Eu penso em mim mesma como apenas uma técnica, porque eu dediquei as horas, o trabalho duro, o conhecimento e tudo mais para estar nesta posição.”
Para Jelena, o respeito e a autoridade vêm do preparo, e não do gênero. “O gênero não é importante, o gênero não lhe dá autoridade. O que lhe dá autoridade é estar preparada, saber como construir relacionamentos com outras pessoas, ter o conhecimento. É a partir dessas coisas que você obtém autoridade, e não do seu gênero”, afirmou.
Com um olhar voltado às novas gerações, Jelena deixou uma mensagem poderosa para as mulheres que sonham em seguir carreira no esporte. “Nunca deixe ninguém te dizer não. Nunca deixe ninguém te dizer que você não pode fazer algo. Esta é a mensagem número um. Se eu tivesse dado ouvidos a eles, eu não estaria aqui hoje”, comentou.
Propósito
Encantada com o Brasil e com o acolhimento que recebeu em Fortaleza, ela destacou sua admiração pela cultura e pela paixão dos torcedores. “Fortaleza é um lugar tão lindo. Eu amor morar lá, amo a cultura, amo as pessoas e os brasileiros em geral. Espero vir e me misturar. Quero aprender com vocês e ensinar sobre mim e minha cultura, e sobre a nossa forma de jogar basquete. Eu quero trazer nossa paixão por basquete.”
Ela também projetou seus próximos passos. “Quero deixar minha marca, algo que seja lembrado para sempre em Fortaleza, meu tempo no clube. Estou muito animada para começar”, ressaltou.
Foto: João Gabriel Alves / Vasco da Gama




