
Nesta segunda-feira, 4, o Museu do Futebol, em São Paulo, recebeu o Fórum Sustentabilidade em Campo, evento que propõe reflexões e soluções sobre o papel do futebol para um futuro mais sustentável e inclusivo, dentro e fora dos gramados.
Heloisa Rios, Sócia da Universidade do Futebol e presidente do Conselho do Comitê Paralímpico Brasileiro, marcou presença no evento e falou sobre como transformar o esporte em uma ferramenta de impacto para a sociedade.
“Para cada um dos recortes que você tiver fazendo na sua empresa, no seu esporte, a gente tem que perguntar: Quem somos? Onde estamos? Onde queremos? No futebol, estamos em momentos diferentes, o masculino já consolidado, mas com seus problemas históricos para resolver. O feminino em crescimento, mas também precisando de cultura de apoio. Agora, qual que é a ambição? Tem que definir até quando. É até a Copa Feminina? Nossa ambição é chegar em primeiro? Qual o impacto social? Qual o legado que a gente quer deixar?”, disse ela, pontuando a necessidade de uma estratégia clara.
Heloisa também reforçou a importância da educação. “Nada disso acontece sem educação, sem formação e por isso aqui represento também a Universidade do Futebol, que há 23 anos foi a primeira a investir em formação para o futebol, que não é só lá jogar bola, não é só juntar um monte de coisa. Nós estamos falando de formação de seres humanos para compreender os esportes que a gente se disponha a praticar!”, acrescentou.
Ela ainda reforçou o equilíbrio entre recursos financeiros e propósito. “Esporte não se faz sem dinheiro, mas esporte também não se faz só com dinheiro”, afirmou, ressaltando que mesmo com orçamentos generosos, se não tiver um propósito e estratégias claras, o esporte não cumprirá seu papel transformador.
Combate ao racismo no futebol
Outro assunto abordado no evento foi o combate ao racismo, e Cleiton Carvalho, vice-presidente do MOVER Futebol, pontuou como essas ofensas prejudicam os atletas. “O racismo afeta diretamente a saúde emocional, a autoestima e a identidade desse atleta que sofre com isso desde quando ele nasce, praticamente. Ele já nasce sabendo que vai sofrer isso em algum momento, a família já sofreu isso e ele vai vivendo isso na escola e quando chega num clube não é diferente.”
“Um atleta de futebol que sofre do racismo, ele com certeza vai entrar dentro de campo sem confiança. E não só atleta, os árbitros negros que estão dentro do campo ali sofrendo o racismo o tempo inteiro que pouco se falam também. Quem vive isso no dia a dia sabe a dor que é. Um atleta branco, ele não vai sentir essa dor, mas aquele atleta preto, ele reprime porque ele não pode falar, porque se ele falar é mimimi, se ele falar porque é vitimismo, as pessoas acabam não entendendo e ele vai adoecendo por dentro e muitos têm até mesmo um preconceito com a psicologia de buscar uma terapia: ‘eu não posso demonstrar a fraqueza’. Então isso afeta demais essa saúde emocional desses atletas”, acrescentou.
Cleiton ainda ressaltou a importância de ter pessoas pretas em cargos de lideranças, por isso o MOVER tem trabalhado para formar líderes. “Não tem como esse atleta entender casos de racismo, se ele só vê diretores brancos e o MOVER ele veio para formar lideranças e colocar pessoas pretas dentro de cargo de gestão para poder ter essa empatia, porque a liderança só vai conseguir colaborar e diminuir esses casos de racismo, se ele também algum dia sentiu essa dor. (…) A minha função é fazer com que ele não passe por isso ou se ele passar, ele saber por onde ele vai caminhar e ter também essas instituições que possam dar força para ele, onde ele pode recorrer.”
Além disso, ele afirmou que as pessoas que estão no poder precisam se engajar mais na causa. “Se não começar pela liderança, a gente não vai conseguir gerar mudanças reais. A gente só vai falar, falar, falar, mas no final de tudo não vai ter uma mudança como a gente espera. O líder, ele é um exemplo, ele influencia. Se começar pelo líder, os demais vão fazer também, e assim nós podemos de fato gerar essa transformação”, completou.
Equidade de gênero, saúde mental e superação
A luta por equidade de gênero e o cuidado com a saúde mental também foi discutida no fórum. Flávia Arantes, fisioterapeuta e filha de Pelé, contou que sempre esteve envolvida com o esporte de forma amadora, mas escolheu seguir carreira na saúde porque o “cuidar” sempre foi seu propósito de vida. “O cuidar sempre foi minha referência. Eu fui para a área da saúde porque eu sempre quis cuidar.”
Ela enfatizou a importância da saúde mental na alta performance esportiva, defendendo que o autoconhecimento é essencial para lidar com o estresse e evitar lesões. “Você precisa ter conhecimento de quem você é, dos seus valores, da sua vulnerabilidade, porque o estresse tá sempre junto. O estresse é uma fala da mente que, quando se repete, vira uma situação fisiológica no corpo. E aí as lesões acabam acontecendo… Você muda o jogo quando você tem conhecimento”, afirmou.
Flávia também compartilhou um episódio emocionante sobre uma técnica de postura que utiliza atualmente como fisioterapeuta, e que, curiosamente, já era aplicada por seu pai, Pelé, antes dos jogos, mesmo sem conhecimento técnico, apenas por instinto. A técnica chamada bioneuroemoção busca regular o sistema nervoso central por meio de posturas corporais que ativam o sistema parassimpático, ajudando o corpo a reduzir a ansiedade, aumentar o foco e melhorar o desempenho muscular. Segundo Flávia, a principal técnica que utiliza envolve o paciente deitado com as pernas elevadas a 40 ou 45 graus. “Essa postura ativa o sistema parassimpático, responsável por regular a ansiedade e aumentar a perfusão sanguínea, permitindo que a musculatura trabalhe melhor”, explicou.
A surpresa veio quando, ao revirar fotos antigas de seu pai, descobriu que Pelé adotava essa mesma postura espontaneamente antes dos jogos. “Quando eu vi meu pai naquela posição, eu falei: eu não acredito“, contou. Ao perguntar se ele sabia o que estava fazendo, ouviu dele: “Não, era uma posição de conforto”. Flávia concluiu: “Ele se autorregulava antes das partidas, mesmo sem saber. Hoje eu trabalho com exatamente essa técnica.”
Já Glenda Kozlowski compartilhou sua trajetória como uma das pioneiras no jornalismo esportivo. Com mais de 30 anos de carreira, ela falou das barreiras que enfrentou e das conquistas que ajudou a abrir espaço para outras mulheres. Ela narrou eventos esportivos na Globo durante os Jogos Olímpicos do Rio, mas o feito não veio sem dor.
“Foi tão difícil que os meus primeiros três trabalhos como narradora, eu tive que narrar com um homem ao meu lado. Eu não narrei sozinha. Então primeiro eu narrei com Galvão [Bueno], depois eu narrei com Cléber [Machado], inclusive com medalha brasileira, e eu narrei com Luiz Roberto. Meus parceiros maravilhosos, foram queridíssimos comigo, uma situação muito constrangedora, porque eu estava ali como narradora”, recordou.
“Eu apanhei muito. Eu me preparei por meses e ainda assim só recebia críticas. Cheguei a entregar meu crachá e dizer: ‘Não quero mais isso'”, desabafou. Ela só permaneceu porque foi incentivada por uma diretora que insistiu em sua presença: “Ela brigou por mim e disse: ‘A Glenda vai narrar sozinha. Ela foi preparada para isso'”.
Glenda também falou sobre a baixa visibilidade do esporte feminino na mídia, ressaltando que apenas 16% do que é transmitido nas TVs abertas é dedicado às mulheres, e que a maioria desse percentual é ocupado pelo voleibol. Ela enfatizou que dar visibilidade é o primeiro passo para atrair marcas, patrocínio e permitir que mais mulheres ocupem esse espaço. “Existem outras modalidades esportivas onde a mulher está presente e que não tem essa transmissão, não tem essa visibilidade. Se a gente não mostra, ninguém conhece. Se ninguém conhece, ninguém patrocina. E se não há patrocínio, a mulher não entra no esporte.”
Com bom humor, Glenda relembrou o início da carreira, quando era a única mulher entre homens e chegou a fazer entrevistas no vestiário com jogadores nus, situações que hoje, com mais organização e respeito, já não acontecem da mesma forma. Para ela, o maior legado não é individual, mas coletivo. “Hoje em dia, vendo a quantidade de meninas que querem ser atleta, independentemente da modalidade, ou então segurar o microfone para falar de esporte, isso é o maior legado da gente, das que vieram antes de mim, das que vieram junto comigo e de todas essas que a gente tá vendo. O Brasil virou uma fonte de mulheres que querem falar de esporte, e falam com propriedade. Isso aqui é o maior legado. É você poder ver que as mulheres estão fazendo o que elas querem”, finalizou.
Foto: Sustentabilidade em campo